sexta-feira, 16 de novembro de 2018


DESPALAVRAR 

 Dou muitas vezes razão ao “Principezinho” de Saint Exupéry quando ele afirma que "as palavras são uma fonte de mal entendidos". Não as escritas, não são tão traiçoeiras, saem de um movimento refletido que pode deixar pouca margem de manobra ao equívoco e a múltiplas interpretações. A sua roupagem é simples, reduzida como biquíni em verão, e provavelmente até faz topless porque os acentos e a pontuação parecem caídos em desuso, ou quase inexistentes… Preocupam-me sobretudo essas palavras, fruto da linguagem oral, atiradas ao vento com a facilidade de uma respiração, preenchidas de gestos, olhares ou ausência deles, que dizem tudo e por vezes tudo o que não queremos dizer, ou nada do que gostaríamos de ter dito. Contudo, e dando toda a razão ao grande poeta Pablo Neruda “amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as… Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ...”. Claro está que me refiro a palavras com palavra, ou seja, aquelas que são ditas para serem cumpridas, assumida e conscientemente. Não me refiro a “meias palavras” e muito menos a palavras sem honra, tanto em voga hoje em certos domínios da vida, da vida em sociedade e da política portuguesa. Essas são palavras sem obras e, como o povo diz, “palavras sem obras, viola sem cordas…”. Definir “palavra” é difícil, porque a palavra é que define. Tão pouco falarei dela porque a palavra dificilmente se deixa dizer, a palavra diz-se. Brinco com ela, por vezes, como criança, tal como agora, e divirto-me quando ensino os alunos a “despalavrar” em exercício de criatividade e lógica, à mistura, do qual resultam um “minigigante” que, segundo eles, ao contrário do gigante tradicional, é um anão mais alto… Mas porque as palavras são tão excelentemente importantes, cabe-nos fazer delas uso moderado e sério sem “despalavrar” em demasia para que, no silêncio (quem diria!), as palavras se preparem para ser coparticipantes de um mundo de sentidos que só faz sentido porque comunicamos e interagimos com os outros, por palavras…

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