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sexta-feira, 16 de novembro de 2018


CENTENÁRIO(S) 

 Fazer um percurso de elétrico em qualquer cidade, desconhecida ou não, é sempre um imenso prazer. A cidade do Porto é bem exemplo disso, pois proporciona uma viagem à beira rio e pelo centro da cidade absolutamente extraordinárias. É uma viagem relativamente barata e os mais novos, tal como os mais velhos, apreciá-la-ão, com certeza. Ora num desses dias, em que erraticamente fazia o tal percurso de elétrico, acabei por sair justamente no Jardim dos Leões onde antigamente funcionava parte da Universidade do Porto, agora transformada em museu, com exposições fixas e temporárias, sempre recetivo à exploração do visitante. Fui surpreendida por um palco montado numa lateral da Universidade onde, para espanto meu, só existiam “cabeças nevadas”, maiores de cinquenta, dedilhando variados instrumentos e arrancando sons apaixonados de um acordeão que se destacava nos tangos, cantados por outra “cabeça nevada”, bem além dos cinquenta. Fiquei a ouvir e a pensar que, para além do evidente, deveria haver uma história para aqueles homens que provavelmente tocariam juntos nalguma banda de reformados da cidade e aproveitavam para se divertirem e divertir quem os ouvia. Fui surpreendida quando descobri, pelos abraços e pelas conversas, que eram antigos alunos da universidade do Porto (orfeonistas) que se encontravam para comemorar o centenário da Universidade. A história já seria terna se acabasse por aqui, mas para meu espanto, ela apenas tinha começado… Junto à Universidade, as tunas dos jovens universitários esperavam “os cabeças nevadas” para, em sua homenagem, cantarem o que eles já cantavam há talvez 30, 40 ou 50 anos atrás…No átrio da universidade misturavam-se os mais velhos e muito velhos, homens e mulheres, com os mais novos, numa festa inusitada e comovidamente vivida, essencialmente pelos últimos, que torciam repetidamente o pescoço para verificar se reconheceriam, aqui ou ali, alguma cabeça das suas…. As pandeiretas misturavam-se com as palmas e com os sorrisos novos de gente antiga. E naquele espaço mágico estava o abraço de tantas gerações, o agradecimento a professores que já não eram, a colegas que tinham sido, aos presentes e ausentes, à vida que se faz destes pequenos momentos, de encontros e desencontros, de risos e de promessas. E as pandeiretas rodavam no ar, os estandartes volteavam felizes e os olhos de todos os presentes enchiam-se de luz. Ao lado, o elétrico esperava impávido novos passageiros para um dia, quem sabe, na celebração dos duzentos anos de história da Universidade, parar de novo junto ao olhar de luz de novos e velhos… Foi lindo, acreditem!

DESPALAVRAR 

 Dou muitas vezes razão ao “Principezinho” de Saint Exupéry quando ele afirma que "as palavras são uma fonte de mal entendidos". Não as escritas, não são tão traiçoeiras, saem de um movimento refletido que pode deixar pouca margem de manobra ao equívoco e a múltiplas interpretações. A sua roupagem é simples, reduzida como biquíni em verão, e provavelmente até faz topless porque os acentos e a pontuação parecem caídos em desuso, ou quase inexistentes… Preocupam-me sobretudo essas palavras, fruto da linguagem oral, atiradas ao vento com a facilidade de uma respiração, preenchidas de gestos, olhares ou ausência deles, que dizem tudo e por vezes tudo o que não queremos dizer, ou nada do que gostaríamos de ter dito. Contudo, e dando toda a razão ao grande poeta Pablo Neruda “amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as… Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ...”. Claro está que me refiro a palavras com palavra, ou seja, aquelas que são ditas para serem cumpridas, assumida e conscientemente. Não me refiro a “meias palavras” e muito menos a palavras sem honra, tanto em voga hoje em certos domínios da vida, da vida em sociedade e da política portuguesa. Essas são palavras sem obras e, como o povo diz, “palavras sem obras, viola sem cordas…”. Definir “palavra” é difícil, porque a palavra é que define. Tão pouco falarei dela porque a palavra dificilmente se deixa dizer, a palavra diz-se. Brinco com ela, por vezes, como criança, tal como agora, e divirto-me quando ensino os alunos a “despalavrar” em exercício de criatividade e lógica, à mistura, do qual resultam um “minigigante” que, segundo eles, ao contrário do gigante tradicional, é um anão mais alto… Mas porque as palavras são tão excelentemente importantes, cabe-nos fazer delas uso moderado e sério sem “despalavrar” em demasia para que, no silêncio (quem diria!), as palavras se preparem para ser coparticipantes de um mundo de sentidos que só faz sentido porque comunicamos e interagimos com os outros, por palavras…

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Analfabetismo(s)

 Porque será que rejeitamos o desconhecido com a facilidade simplista de “não gosto”, quando muitas vezes, e porque é desconhecido, nem sequer o conhecemos, saboreamos, nos questionamos da necessidade, benefício ou malefício do gostar? Lembro-me de, em criança, rejeitar o feijão fradinho, sem justificação que não fosse o “não gosto” logo terminado pela resposta seca de “terás de aprender a gostar…”e, na realidade, aprendi. Na ocasião em que os “Beatles” faziam furor e o rock abanava os palcos, ofereceram-me música clássica, claro que o “não gosto” também lá esteve rápido e impensado, como se a opção fosse uma doença à qual tivesse de fugir. No entanto experimentei e… aprendi a gostar! Não me detenho em mais circunstâncias em que o “não gosto” soluciona a ignorância. Sabeis, tão bem como eu, que essa é uma resposta sempre fácil e indiscutível, porque aplicamos logo a máxima de que “os gostos não se discutem”, ponto final. E, nestas coisas de gostar, se rejeitar o feijão fradinho ou a música clássica poderiam não ter alterado o decorrer da minha vida e da vida de tantos outros, o mesmo já não se poderá dizer relativamente à leitura, essa sim, fundamental para o crescimento e sucesso futuro do homem, na sociedade, no mundo e no conhecimento mais profundo de si próprio e da relação com os outros. Atrevo-me a acreditar que muitos pais e muitos filhos ainda não perceberam que a leitura, muito mais do que os professores, ou explicadores, (estes últimos pagos a peso de ouro) é o saber em potência, é chave do conhecimento, um passo de gigante para o sucesso escolar, para a vida e, mais ainda, para a capacidade de saborear a vida. Tal como para as outras coisas de que gostamos, é necessário lutar contra o fácil “não gosto” e aprender a gostar. Ora, aprende-se a gostar experimentando, teimando, repetindo, usando. E, com certeza, quanto mais cedo, melhor. Sabemos que os bébés não nascem a gostar de papas, fazem cara feia às primeiras sopas, borrifam-nos com as primeiras frutas esmagadas, no entanto não deixamos de insistir para que comam, não lhes aceitamos o “não gosto” porque daí dependem as suas vidas (fisicamente falando). Desde muto cedo, e ainda antes dos mais pequenos aprenderem as primeiras letras, os jovens casais deveriam fazer uma aposta no futuro dos seus filhos, experimentando a leitura de contos simples, coisa que se faz em poucos minutos, e deixando-os folhear os livros para que estes façam parte da sua vida, como o fazem a roupa que vestem, a colher com que batem no prato, o sapato que tiram e põem, que levam à boca e deitam fora quando se cansam. Os livros deveriam fazer parte natural da lista de presentes e destino privilegiado das moedas recebidas e colocadas no mealheiro para guloseimas que, para além de estragarem os dentes, empenham o crescimento saudável, sem contrapartida a longo prazo. Acredito que seja difícil pedir a um adolescente que nunca leu, à exceção dos manuais escolares, que comece agora a fazê-lo de forma regular e com agrado. Sentar –se numa cadeira ou sofá, tentando dar sentido a um sem número de letras que no seu conjunto formam palavras, que dão origem a tantas páginas, é uma enorme canseira que dificilmente aceitarão, até porque não descobrem as vantagens no imediato, como num gameboy ou jogo de computador em que os resultados desafiam a teimosia. Sendo assim, parece que a solução é ensinar a gostar, de mansinho, fazendo com que a leitura se instale, se entranhe e não se estranhe e, sobretudo, não se dispense, pese embora o esforço e a atenção necessárias, “como cruzar um oceano de páginas num pequeno barco a remo em que cada remada é um esforço da imaginação que nos permite ver a paisagem pintada pelo autor” e “tendo consciência que analfabeta não é a pessoa que não sabe ler, mas é a pessoa que sabendo ler, não gosta de ler” (Mário Quintana).

terça-feira, 22 de abril de 2014


Tantas sedes...

Água, água de tantas sedes!
água da sede dos que nada têm,
dos que querem viver, dos que querem ser ...


Água de muitas sedes
da sede dos que têm sede e dizem que não...
da sede dos que estendem a mão,
da sede dos que não dão.


Água de todas, todas, as sedes!
das sedes de amar e de ser amado,
de não ficar parado,
de sentir o luar,
de ouvir cantar,
de se encontrar,
de poder chorar,

acompanhado...