terça-feira, 13 de novembro de 2018

Analfabetismo(s)

 Porque será que rejeitamos o desconhecido com a facilidade simplista de “não gosto”, quando muitas vezes, e porque é desconhecido, nem sequer o conhecemos, saboreamos, nos questionamos da necessidade, benefício ou malefício do gostar? Lembro-me de, em criança, rejeitar o feijão fradinho, sem justificação que não fosse o “não gosto” logo terminado pela resposta seca de “terás de aprender a gostar…”e, na realidade, aprendi. Na ocasião em que os “Beatles” faziam furor e o rock abanava os palcos, ofereceram-me música clássica, claro que o “não gosto” também lá esteve rápido e impensado, como se a opção fosse uma doença à qual tivesse de fugir. No entanto experimentei e… aprendi a gostar! Não me detenho em mais circunstâncias em que o “não gosto” soluciona a ignorância. Sabeis, tão bem como eu, que essa é uma resposta sempre fácil e indiscutível, porque aplicamos logo a máxima de que “os gostos não se discutem”, ponto final. E, nestas coisas de gostar, se rejeitar o feijão fradinho ou a música clássica poderiam não ter alterado o decorrer da minha vida e da vida de tantos outros, o mesmo já não se poderá dizer relativamente à leitura, essa sim, fundamental para o crescimento e sucesso futuro do homem, na sociedade, no mundo e no conhecimento mais profundo de si próprio e da relação com os outros. Atrevo-me a acreditar que muitos pais e muitos filhos ainda não perceberam que a leitura, muito mais do que os professores, ou explicadores, (estes últimos pagos a peso de ouro) é o saber em potência, é chave do conhecimento, um passo de gigante para o sucesso escolar, para a vida e, mais ainda, para a capacidade de saborear a vida. Tal como para as outras coisas de que gostamos, é necessário lutar contra o fácil “não gosto” e aprender a gostar. Ora, aprende-se a gostar experimentando, teimando, repetindo, usando. E, com certeza, quanto mais cedo, melhor. Sabemos que os bébés não nascem a gostar de papas, fazem cara feia às primeiras sopas, borrifam-nos com as primeiras frutas esmagadas, no entanto não deixamos de insistir para que comam, não lhes aceitamos o “não gosto” porque daí dependem as suas vidas (fisicamente falando). Desde muto cedo, e ainda antes dos mais pequenos aprenderem as primeiras letras, os jovens casais deveriam fazer uma aposta no futuro dos seus filhos, experimentando a leitura de contos simples, coisa que se faz em poucos minutos, e deixando-os folhear os livros para que estes façam parte da sua vida, como o fazem a roupa que vestem, a colher com que batem no prato, o sapato que tiram e põem, que levam à boca e deitam fora quando se cansam. Os livros deveriam fazer parte natural da lista de presentes e destino privilegiado das moedas recebidas e colocadas no mealheiro para guloseimas que, para além de estragarem os dentes, empenham o crescimento saudável, sem contrapartida a longo prazo. Acredito que seja difícil pedir a um adolescente que nunca leu, à exceção dos manuais escolares, que comece agora a fazê-lo de forma regular e com agrado. Sentar –se numa cadeira ou sofá, tentando dar sentido a um sem número de letras que no seu conjunto formam palavras, que dão origem a tantas páginas, é uma enorme canseira que dificilmente aceitarão, até porque não descobrem as vantagens no imediato, como num gameboy ou jogo de computador em que os resultados desafiam a teimosia. Sendo assim, parece que a solução é ensinar a gostar, de mansinho, fazendo com que a leitura se instale, se entranhe e não se estranhe e, sobretudo, não se dispense, pese embora o esforço e a atenção necessárias, “como cruzar um oceano de páginas num pequeno barco a remo em que cada remada é um esforço da imaginação que nos permite ver a paisagem pintada pelo autor” e “tendo consciência que analfabeta não é a pessoa que não sabe ler, mas é a pessoa que sabendo ler, não gosta de ler” (Mário Quintana).

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